[imagem: Schiele, 1910]

domingo, 18 de setembro de 2011

Quanto terá custado a capa da Veja?

Matéria publicada no site: http://www.pco.org.br/con32073

Para a indústria farmacêutica
Quanto terá custado a capa da Veja?

Em sua última edição, a revista fez propaganda aberta de um medicamento para emagrecer que sequer foi aprovado pela Anvisa

18 de setembro de 2011
Na última semana, a capa da direitista revista Veja foi dedicada a divulgar um “miraculoso” medicamento para emagrecer. A capa “Parece milagre!”, da edição nº 2233, data de capa de 7/9/2011, usou duas imagens de uma mesma mulher, uma com o corpo um pouco mais cheinho e cara fechada, e outra sorridente e magra. Entre elas uma seringa, em referência ao medicamento. Um típico “antes e depois”, “da tristeza à felicidade”, conseguido supostamente com algumas doses do milagroso remédio.
Até aqui nada parece ser muito diferente do apelo comum utilizado para vender todo tipo de produtos para as mulheres sob a promessa do “corpo perfeito”. Nem se trata do combate à obesidade, mas o desejo de perder entre 5 a 12 quilos, ou seja, de se aproximar do padrão de peso imposto pela sociedade capitalista de umas décadas para cá.
Essa exigência padrão leva milhares mulheres a se submeterem às situações mais absurdas: medicamentos perigosos, cirurgias plásticas e, em última instância à cada vez mais comum anorexia e bulimia.
O Brasil, por exemplo, país das praias e do carnaval, está no topo do ranking mundial em número de cirurgias plásticas e no consumo de inibidores de apetite.
Acontece que a matéria da Veja não é uma dessas tradicionais revistas femininas e em tese trata-se de uma reportagem séria sobre um medicamento novo, com histórias de vida, citações de especialistas e infográficos.
Um portal dedicado a acompanhar o material veiculado pela imprensa capitalista destacou: “O que Veja deixou claro, com essa matéria, é que a responsabilidade da imprensa com seus leitores nem sempre vem em primeiro lugar. A vontade de causar impacto (ou talvez de atender os interesses de seus anunciantes) às vezes fala mais alto” (Observatório da imprensa, 5/9/2011).
Nós diríamos que o “talvez” é dispensável, já que a matéria tem claramente o objetivo de atender aos interesses de seus financiadores. Não passa de mais um anúncio publicitário da revista, o que eleva os 50% de páginas de publicidade para 70 ou 90% do conteúdo da revista de matérias pagas, encomendadas, para atender este ou aquele interesse capitalista.
Isso não é novidade. O portal WikiLeaks que recentemente publicou documentos que confirmam reuniões de diplomatas norte-americanos para pautar revistas nacionais, e que edições inteiras da Veja, foram baseadas em mentiras como as supostas relações do PT com as FARC, ou no caso do dossiê para favorecer o candidato do PSDB. O que se soma a insistente campanha de calúnias contra os trabalhadores rurais sem-terra, as mentiras ditas sobre o ex-militante da esquerda italiana nos anos de chumbo, Cesare Battisti etc.
No caso da matéria em questão, o portal Observatório da Imprensa destacou: “talvez seja a primeira vez que a revista usa sua capa para divulgar um produto de forma tão descarada”, tendo as mulheres como suas vítimas. Pois “serão atingidas diretamente pela mensagem de capa da revista: 12 quilos em cinco meses, e sem dúvida estarão dispostas a enfrentar náuseas, vômitos, desidratação (outro dos efeitos mencionados em um dos artigos médicos da internet, só disponível em inglês) e o alto custo do medicamento” (idem). 

Omissões que colocam em risco a saúde
A matéria da Veja tem ainda outros sérios problemas, pois esconde informações fundamentais sobre os riscos do medicamento, que sequer tem autorização para ser vendido no Brasil como emagrecedor, ao ponto de a Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) soltar uma nota endereçada à própria revista. A nota, para ser “publicada como um complemento à referida reportagem”, foi enviada também a outros órgãos de imprensa e instituições do âmbito da saúde a fim de oferecer esclarecimentos sobre as verdadeiras características do remédio e as regras para sua comercialização no País.
A Vigilância Sanitária esclarece que “a única indicação aprovada atualmente para o medicamento é como agente antidiabético [por isso é aplicado como a insulina, através de seringa]. Não há até o momento solicitação na Anvisa por parte da empresa detentora do registro de extensão da indicação do produto para qualquer outra finalidade. Não foram apresentados à Anvisa estudos que comprovem qualquer grau de eficácia ou segurança do uso do produto Victoza para redução de peso e tratamento da obesidade”. Portanto a Agência “não reconhece a indicação do Victoza para qualquer utilização terapêutica diferente da aprovada e afirma que o uso do produto para qualquer outra finalidade que não seja como antidiabético [diabetes tipo 2] caracteriza elevado risco sanitário para a saúde da população”.
Entre os problemas não revelados pela Veja estão: o fato de o medicamento custar entre 343 e 350 reais nos sites de farmácias especializadas em vendas online, e ter entre seus efeitos colaterais comprovados o risco de pancreatite e surgimento de tumor na tireóide.
Ainda de acordo com a Anvisa, o fabricante, Novo Nordisk, “decidiu incluir, em junho de 2011, em seu Plano de Minimização de Risco (PMR) a alteração da função renal como um potencial efeito adverso do uso da medicação”, e que ainda estão sendo feitos estudos, já que o medicamento é relativamente novo, sobre os riscos cardíacos.
É importante destacar também que a revista decidiu publicar a “notícia” sobre o Victoza no momento em que está sendo travada no País uma grande discussão sobre os riscos e até mesmo possibilidade abolição de todo tipo de inibidor de apetite que aja sobre o cérebro, o que atingirá diretamente parte da indústria farmacêutica que lucra milhões com a comercialização desses medicamentos no Brasil. A decisão está prevista para ser divulgada no final do mês de setembro, ou seja, semanas após a veiculação da matéria de capa da Veja.

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